Transtornos mentais e Terapia de Eletrochoque

Busquei no Google e dos resultados o que mais gostei foi essa entrevista do Dr Drauzio Varella com a Psiquiatra Márcia de Macedo Soares, médica que trabalha no Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo. A entrevista tem outros tópicos além dos que coloquei aqui, porque o que buscava está no que foi copiado, mas se você tiver curiosidade a respeito pode ler a entrevista na íntegra aqui.
O texto é longo, portanto não pretendo que todos o leiam na íntegra, por isso destaquei as perguntas e você pode ver qual realmente lhe interessa e ler a resposta. Vale a pena, acredite, pois essa entrevista desmistifica algo que parece pura e simplesmente uma maldade contra o portator de um transtorno mental, mostrando em que casos ela pode ser utilizada e como fazê-lo de modo humano. Primeiro, vamos ler um depoimento do Dr Drauzio e depois vamos às perguntas e respostas.
Eletrochoque / Eletroconvulsoterapia
Quando eu era aluno da Faculdade de Medicina nos anos 60 e comecei a ter aulas de Psiquiatria, um colega mais velho me disse:
MECANISMOS DE AÇÃO DO ELETROCHOQUE E RISCOS DO TRATAMENTO
Drauzio – Que riscos oferece o tratamento com eletrochoque?
Márcia M. Soares – Embora as pessoas tenham medo de ter um colapso ou um problema cardíaco quando se submetem a um tratamento com eletrochoque, a eletroconvulsoterapia é bastante segura. O risco que oferece é igual ao de qualquer procedimento cirúrgico que envolva anestesia, isto é, 0,04%. No entanto, nos lugares em que se usa o eletrochoque a seco, com aparelhos antigos e sem possibilidade de controle técnico como os que se vêem no filme “O Bicho de Sete Cabeças”, a carga elétrica é muito forte e a probabilidade de ocorrerem problemas de memória, muito maior.
Drauzio – Depois da experiência que tive com o eletrochoque à moda antiga e à medida que aprendi melhor como funciona o sistema nervoso central, como a circuitaria de neurônios se estabelece, a delicadeza da anatomia das sinapses e a sofisticação do estímulo nervoso, o eletrochoque sempre me pareceu algo como dar um pontapé na televisão para fazê-la funcionar novamente. Pergunto, então, como ele pode ajudar as pessoas que apresentam algum problema?
Márcia M. Soares – O eletrochoque induz dentro da circuitaria neuronal a mesma modificação que os antidepressivos promovem. Ao final de uma série de aplicações de eletrochoque, o resultado químico é similar ao dos antidepressivos. Portanto, ele ajuda a regular a liberação dos neurotransmissores responsáveis pela transmissão de impulsos de informações de um neurônio para o outro. Além disso, possui uma ação anticonvulsivante, ou seja, quanto mais a pessoa recebe o eletrochoque (em geral, gira em torno de doze aplicações) mais difícil fica ter uma convulsão. Disso decorre acreditar-se que essa ação anticonvulsivante seja responsável pela ação antidepressiva do eletrochoque que também influencia os neuromoduladores envolvidos na regulação do humor. Por isso, hoje, a psiquiatria adota medicações anticonvulsivantes como estabilizadoras do humor.
INDICAÇÃO DO TRATAMENTO DE ELETROCHOQUE
Drauzio - À medida que vai sendo aplicado, o eletrochoque aumenta o limiar para convulsão e anticonvulsivantes são usados para estabilizar o humor. Em termos gerais, as alterações químicas são similares às alterações induzidas pelos medicamentos antidepressivos usados correntemente hoje. Então, em que casos se deve indicar o eletrochoque?
Márcia M. Soares – Atualmente, as indicações são muito precisas. Ele é indicado para o tratamento de depressões graves e resistentes ao tratamento medicamentoso. Se a pessoa passa um ano inteiro tomando doses altas de antidepressivos, com efeitos colaterais importantes, não melhora nem responde à troca ou à associação desses medicamentos, a eletroconvulsoterapia pode representar uma opção de tratamento que apresenta, em 50% dos casos, reação positiva. A eletroconvulsoterapia também é indicada nas depressões em gestantes. Por incrível que pareça, o eletrochoque é o tratamento mais seguro para tratar esse tipo de patologia porque não interfere na formação do feto e pode ser aplicada em qualquer período da gravidez.
Drauzio – Isso já foi bem estudado?
Márcia M. Soares – Nos Estados Unidos, foram realizados estudos com milhares de grávidas e a ECT não se associou a parto prematuro, óbito fetal nem há registro de que tenha causado algum dano para o feto. A mulher recebe uma anestesia de curta duração, com risco semelhante ao de qualquer emergência em que tivesse de ser anestesiada.
Drauzio – Na verdade, o uso de antidepressivos na gravidez é problemático, não é?
Márcia M. Soares - Especialmente nos três primeiros meses da gestação, o risco é muito grande. Isso faz com que a eletroconvulsoterapia seja uma das principais indicações para a depressão em gestantes. Vale a pena mencionar também que, muitas vezes, os idosos respondem melhor a ECT do que à medicação. Como são mais sensíveis aos efeitos colaterais que os medicamentos provocam, muitos preferem o tratamento com eletrochoque e a expressão desse desejo é outro dado a considerar para sua indicação. Por incrível que pareça, pacientes com episódios de depressão grave no passado e que se submeteram ao eletrochoque, preferem esse tipo de tratamento aos antidepressivos.
Drauzio – Teoricamente o eletrochoque pode ser indicado para qualquer patologia psiquiátrica?
Márcia M. Soares – As indicações mais precisas são os quadros de humor, ou seja, depressão e mania ou euforia. Alguns pacientes esquizofrênicos que não respondem à medicação também podem apresentar melhora com a eletroconvulsoterapia.
Drauzio - A eletroconvulsoterqpia pode ser indicada como tratamento inicial em alguns casos?
Márcia M. Soares - Muitas vezes, num quadro de depressão grave, em que o risco de suicídio é altíssimo, justifica-se usar a ECT como primeira opção de tratamento. Por motivos éticos, não se pode correr o risco de esperar duas ou três semanas para o antidepressivo começar a fazer efeito, pois somos obrigados a usar doses iniciais baixas por causa dos efeitos colaterais que provocam. A eletroconvulsoterapia é também a primeira indicação para as pacientes grávidas com depressão que não podem tomar esse tipo de medicamento.
Márcia M. Soares – A agressividade pode ser sintoma de várias patologias psiquiátricas. Vamos considerar um paciente na fase de euforia do transtorno bipolar que apresente humor eufórico, sinta-se grandioso, com mais poderes do que realmente tem, idéias de grandeza e bem-estar além do normal, mas que pode também estar mais agressivo e irritado. Como tem aumento de energia, anda de um lado para o outro, dorme pouco, fala demais e muito rápido. Nesse caso, a eletroconvulsoterapia é muito útil e alguns têm melhora significativa do quadro clínico depois de três ou quatro aplicações o que não acontece quando a agressividade é um sintoma psiquiátrico decorrente de pacientes contrariados com a internação porque representa, aí sim, um método de punição e tortura. No entanto, volto a dizer, na maioria dos hospitais, principalmente nos dos grandes centros, isso não mais acontece. O eletrochoque é indicado para casos específicos e pode evitar suicídios. Ao longo das décadas de 1970 e 1980, o critério de internação psiquiátrica e de medicação mudou muito. As pesquisas se aprofundaram bastante e hoje é difícil ver um eletrochoque mal indicado. Podem existir os que são mal aplicados porque não usam anestesia ou relaxamento muscular, mas a maioria tem indicação precisa e correta.
EMPECILHOS À MODERNIZAÇÃO DO TRATAMENTO