Transtornos mentais e Terapia de Eletrochoque
Quando penso em Transtornos Mentais, sempre me vem à cabeça as possibilidades de tratamento. Um tratamento que não entendo, e por isso resolvi pesquisar a respeito, é a Terapia de Eletrochoque.
Busquei no Google e dos resultados o que mais gostei foi essa entrevista do Dr Drauzio Varella com a Psiquiatra Márcia de Macedo Soares, médica que trabalha no Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo. A entrevista tem outros tópicos além dos que coloquei aqui, porque o que buscava está no que foi copiado, mas se você tiver curiosidade a respeito pode ler a entrevista na íntegra aqui.
O texto é longo, portanto não pretendo que todos o leiam na íntegra, por isso destaquei as perguntas e você pode ver qual realmente lhe interessa e ler a resposta. Vale a pena, acredite, pois essa entrevista desmistifica algo que parece pura e simplesmente uma maldade contra o portator de um transtorno mental, mostrando em que casos ela pode ser utilizada e como fazê-lo de modo humano. Primeiro, vamos ler um depoimento do Dr Drauzio e depois vamos às perguntas e respostas.
Eletrochoque / Eletroconvulsoterapia
Quando eu era aluno da Faculdade de Medicina nos anos 60 e comecei a ter aulas de Psiquiatria, um colega mais velho me disse:
- Este ano você vai assistir a aulas de eletrochoque. É uma coisa horrível. O doente é amarrado na maca e recebe um choque forte através de placas colocadas na cabeça. A pessoa grita muito e se contorce toda.
Uma manhã, logo que cheguei na faculdade, soube que aquele era justamente o dia daquela aula. O eletrochoque era dado numa salinha pequena para um grupo de dez alunos. Quando vi o paciente chegando, assustado com as pessoas e a parafernália de instrumentos ao redor, seu olhar me tocou de tal forma que pensei:
– Vou-me embora. Qual a vantagem de assistir a uma coisa dessas se não pretendo dar eletrochoque em ninguém? – e saí da sala no exato momento em que o professor estava chegando. Ele não entendeu os meus argumentos e nossa discussão resultou numa segunda época de Psiquiatria.Daquela data para cá, a técnica de aplicação do eletrochoque sofreu diversas modificações importantes que a tornaram mais humana e recentemente ele foi reintroduzido como método terapêutico no tratamento de algumas patologias psiquiátricas resistentes à medicação.
MECANISMOS DE AÇÃO DO ELETROCHOQUE E RISCOS DO TRATAMENTO
Drauzio – Que riscos oferece o tratamento com eletrochoque?
Márcia M. Soares – Embora as pessoas tenham medo de ter um colapso ou um problema cardíaco quando se submetem a um tratamento com eletrochoque, a eletroconvulsoterapia é bastante segura. O risco que oferece é igual ao de qualquer procedimento cirúrgico que envolva anestesia, isto é, 0,04%. No entanto, nos lugares em que se usa o eletrochoque a seco, com aparelhos antigos e sem possibilidade de controle técnico como os que se vêem no filme “O Bicho de Sete Cabeças”, a carga elétrica é muito forte e a probabilidade de ocorrerem problemas de memória, muito maior.
Drauzio – Depois da experiência que tive com o eletrochoque à moda antiga e à medida que aprendi melhor como funciona o sistema nervoso central, como a circuitaria de neurônios se estabelece, a delicadeza da anatomia das sinapses e a sofisticação do estímulo nervoso, o eletrochoque sempre me pareceu algo como dar um pontapé na televisão para fazê-la funcionar novamente. Pergunto, então, como ele pode ajudar as pessoas que apresentam algum problema?
Márcia M. Soares – O eletrochoque induz dentro da circuitaria neuronal a mesma modificação que os antidepressivos promovem. Ao final de uma série de aplicações de eletrochoque, o resultado químico é similar ao dos antidepressivos. Portanto, ele ajuda a regular a liberação dos neurotransmissores responsáveis pela transmissão de impulsos de informações de um neurônio para o outro. Além disso, possui uma ação anticonvulsivante, ou seja, quanto mais a pessoa recebe o eletrochoque (em geral, gira em torno de doze aplicações) mais difícil fica ter uma convulsão. Disso decorre acreditar-se que essa ação anticonvulsivante seja responsável pela ação antidepressiva do eletrochoque que também influencia os neuromoduladores envolvidos na regulação do humor. Por isso, hoje, a psiquiatria adota medicações anticonvulsivantes como estabilizadoras do humor.
INDICAÇÃO DO TRATAMENTO DE ELETROCHOQUE
Drauzio - À medida que vai sendo aplicado, o eletrochoque aumenta o limiar para convulsão e anticonvulsivantes são usados para estabilizar o humor. Em termos gerais, as alterações químicas são similares às alterações induzidas pelos medicamentos antidepressivos usados correntemente hoje. Então, em que casos se deve indicar o eletrochoque?
Márcia M. Soares – Atualmente, as indicações são muito precisas. Ele é indicado para o tratamento de depressões graves e resistentes ao tratamento medicamentoso. Se a pessoa passa um ano inteiro tomando doses altas de antidepressivos, com efeitos colaterais importantes, não melhora nem responde à troca ou à associação desses medicamentos, a eletroconvulsoterapia pode representar uma opção de tratamento que apresenta, em 50% dos casos, reação positiva. A eletroconvulsoterapia também é indicada nas depressões em gestantes. Por incrível que pareça, o eletrochoque é o tratamento mais seguro para tratar esse tipo de patologia porque não interfere na formação do feto e pode ser aplicada em qualquer período da gravidez.
Drauzio – Isso já foi bem estudado?
Márcia M. Soares – Nos Estados Unidos, foram realizados estudos com milhares de grávidas e a ECT não se associou a parto prematuro, óbito fetal nem há registro de que tenha causado algum dano para o feto. A mulher recebe uma anestesia de curta duração, com risco semelhante ao de qualquer emergência em que tivesse de ser anestesiada.
Drauzio – Na verdade, o uso de antidepressivos na gravidez é problemático, não é?
Márcia M. Soares - Especialmente nos três primeiros meses da gestação, o risco é muito grande. Isso faz com que a eletroconvulsoterapia seja uma das principais indicações para a depressão em gestantes. Vale a pena mencionar também que, muitas vezes, os idosos respondem melhor a ECT do que à medicação. Como são mais sensíveis aos efeitos colaterais que os medicamentos provocam, muitos preferem o tratamento com eletrochoque e a expressão desse desejo é outro dado a considerar para sua indicação. Por incrível que pareça, pacientes com episódios de depressão grave no passado e que se submeteram ao eletrochoque, preferem esse tipo de tratamento aos antidepressivos.
Drauzio – Teoricamente o eletrochoque pode ser indicado para qualquer patologia psiquiátrica?
Márcia M. Soares – As indicações mais precisas são os quadros de humor, ou seja, depressão e mania ou euforia. Alguns pacientes esquizofrênicos que não respondem à medicação também podem apresentar melhora com a eletroconvulsoterapia.
Drauzio - A eletroconvulsoterqpia pode ser indicada como tratamento inicial em alguns casos?
Márcia M. Soares - Muitas vezes, num quadro de depressão grave, em que o risco de suicídio é altíssimo, justifica-se usar a ECT como primeira opção de tratamento. Por motivos éticos, não se pode correr o risco de esperar duas ou três semanas para o antidepressivo começar a fazer efeito, pois somos obrigados a usar doses iniciais baixas por causa dos efeitos colaterais que provocam. A eletroconvulsoterapia é também a primeira indicação para as pacientes grávidas com depressão que não podem tomar esse tipo de medicamento.
ELETROCHOQUE NO CONTROLE DA AGRESSIVIDADE
Drauzio – No passado se usava muito o eletrochoque em pacientes agressivos. Talvez venha daí sua má fama. Seria procedente considerar agressiva uma pessoa que se revoltava contra o esquema de internação hospitalar nos antigos sanatórios psiquiátricos com disciplina militar e remédios de eficácia discutível? Atualmente, para esses quadros de agressividade ainda é indicado o eletrochoque?
Márcia M. Soares – A agressividade pode ser sintoma de várias patologias psiquiátricas. Vamos considerar um paciente na fase de euforia do transtorno bipolar que apresente humor eufórico, sinta-se grandioso, com mais poderes do que realmente tem, idéias de grandeza e bem-estar além do normal, mas que pode também estar mais agressivo e irritado. Como tem aumento de energia, anda de um lado para o outro, dorme pouco, fala demais e muito rápido. Nesse caso, a eletroconvulsoterapia é muito útil e alguns têm melhora significativa do quadro clínico depois de três ou quatro aplicações o que não acontece quando a agressividade é um sintoma psiquiátrico decorrente de pacientes contrariados com a internação porque representa, aí sim, um método de punição e tortura. No entanto, volto a dizer, na maioria dos hospitais, principalmente nos dos grandes centros, isso não mais acontece. O eletrochoque é indicado para casos específicos e pode evitar suicídios. Ao longo das décadas de 1970 e 1980, o critério de internação psiquiátrica e de medicação mudou muito. As pesquisas se aprofundaram bastante e hoje é difícil ver um eletrochoque mal indicado. Podem existir os que são mal aplicados porque não usam anestesia ou relaxamento muscular, mas a maioria tem indicação precisa e correta.
Márcia M. Soares – A agressividade pode ser sintoma de várias patologias psiquiátricas. Vamos considerar um paciente na fase de euforia do transtorno bipolar que apresente humor eufórico, sinta-se grandioso, com mais poderes do que realmente tem, idéias de grandeza e bem-estar além do normal, mas que pode também estar mais agressivo e irritado. Como tem aumento de energia, anda de um lado para o outro, dorme pouco, fala demais e muito rápido. Nesse caso, a eletroconvulsoterapia é muito útil e alguns têm melhora significativa do quadro clínico depois de três ou quatro aplicações o que não acontece quando a agressividade é um sintoma psiquiátrico decorrente de pacientes contrariados com a internação porque representa, aí sim, um método de punição e tortura. No entanto, volto a dizer, na maioria dos hospitais, principalmente nos dos grandes centros, isso não mais acontece. O eletrochoque é indicado para casos específicos e pode evitar suicídios. Ao longo das décadas de 1970 e 1980, o critério de internação psiquiátrica e de medicação mudou muito. As pesquisas se aprofundaram bastante e hoje é difícil ver um eletrochoque mal indicado. Podem existir os que são mal aplicados porque não usam anestesia ou relaxamento muscular, mas a maioria tem indicação precisa e correta.
Drauzio – Provavelmente no passado o eletrochoque era aplicado empiricamente e agora a indicação é baseada em evidências experimentais, em estudos realizados. Talvez nisso resida a grande diferença entre uma e outra forma de aplicação, não é?
Márcia M. Soares – Vou retomar um pouquinho a história do eletrochoque. No final dos anos 1930, a eletroconvulsoterapia passou a ser usada como tratamento e o primeiro medicamento psiquiátrico só apareceu no fim da década de 1950. Então, nos anos 30 e 40, a psiquiatria não tinha opção além do eletrochoque, da insulinoterapia e do confinamento. Na insulinoterapia, a insulina injetada nos pacientes faz com que as células do pâncreas retirem a glicose do sangue. Isso provoca um quadro de hipoglicemia grave que produz, como conseqüência, a convulsão. Portanto, a convulsão desejada era induzida pelo choque insulínico. Se não me engano, no filme “Uma Mente Brilhante”, eles ilustram a aplicação da insulinoterapia, um método arriscado que provocava muitas mortes. A psiquiatria não contava, porém, com outras armas. Só a partir da década de 1950, quando surgiram os medicamentos para tratar de psicoses e depressões, o eletrochoque caiu em desuso. Nos anos 70 e 80, a evidência de que grande parte das pessoas não respondia aos antidepressivos fez com que a eletroconvulsoterapia fosse retomada como opção de tratamento.
EMPECILHOS À MODERNIZAÇÃO DO TRATAMENTO
Drauzio – O que falta para esses centros que ainda aplicam o eletrochoque à moda antiga deixarem de cometer essa violência?
Márcia M. Soares – Acho que informação não falta. A Associação Brasileira de Psiquiatria e os grandes centros universitários têm procurado difundir o que se preconiza como técnica ideal: o paciente deve passar por vários exames prévios, receber anestesia e relaxamento muscular e ser assistido por um anestesista e um psiquiatra. Parece, porém, que o problema é financeiro. O SUS, se não me engano, remunera R$30,00 por uma aplicação que custa R$300,00 ou R$400,00. É, portanto, uma questão de vontade política. Centros no interior de Goiás, por exemplo, não têm estrutura para aplicar o eletrochoque segundo as técnicas mais modernas. Como não existe alternativa de tratamento, pois a rede básica de saúde não fornece os remédios necessários, o eletrochoque acaba sendo usado nos moldes antigos, o que é condenável sob todos os aspectos.
A foto que ilustra o post é de um quadro de Van Gogue e foi copiada do Google imagens.
10 responderam:
Engraçado Nilda,
ontem estava pesquisando sobre o mesmo assunto.
Muito interessante esse tema.
Bjs querida.
Oi Nilda,
que ótima informação. Eu ainda tinha idéia desse tratamento como vemos nos filmes, de uma maneira agressiva. Que bom que tudo evoluiu de uma maneira a existir pessoas que até preferem esse tratamento a qualquer outro.
Beijos!!!
Olá Nilda , desculpe a demora em vir aqui te visitar, vim desejar um bom fim de semana e não deixe de passar no cosias da bruxinha, vc vai gostar hehehhe. bjs
Oi Nilda,
mesmo tendo evoluído eu ainda acho Terapia de Eletrochoque algo agressivo.
Bjos,
Paulinha
Ai Nilda adorei sua participação, vc não podia faltar hehehhe. bjs e obrigada.
Eu simplesmente acho tão agressivo esse tratamento..
Tenho certeza q não apoiaria ninguem a fazer...
Venho agradecer as palvras carinhosas q deixou no bloguinho...
bem q queria q fosse férias do trabalho também... rsrssr
abraços cheirosos
Oi querida td bem?
Fiquei mt feliz com a sua visita e que tema interessante ein? Amanha retorno à vida lá fora, espero que as coisas andem bem. Agora acredito estar mais capacitada para enfrentar os problemas...
Bjos
Oie flor!!! Ponto cruz é um vício né? Eu adoro fazer, pena que não estou tendo tempo para me dedicar a ele... quero muito ver seu novo trabalho viu?
Bjo bjo :D
Parabéns pelo o post. Eu particularmente morro de medo desse tipo de tratamento (ainda bem que não fiz). Pelo que sei é indicado mais para casos graves de depressão.
O livro “A Instituição Sinistra – mortes violentas em hospitais psiquiátricos no Brasil”, publicado em 2001 pelo Conselho Federal de Psicologia e elaborado por entidades de direitos humanos ligados à luta antimanicomial, apresenta relatos de crimes ocorridos dentro dos muros dos hospitais psiquiátricos no país.
Ao todo, são sete casos contados por profissionais que convivem com a terrível realidade dessas instituições. São relatos de mortes ocorridas no Hospital Psiquiátrico São Pedro, em Porto Alegre (Rio Grande do Sul), no período de janeiro a junho de 2001. Narra ainda dezenas de mortes, como a de Davi Pereira da Silva, em 8 de agosto de 1999, vítima de um incêndio na Clínica Izabela, em Goiânia, que morreu carbonizado, amarrado, trancado em um quarto da clínica; a de Maria de Fátima Santos Domingues, no dia 24 de março de 2001, que faleceu depois de sofrer queimaduras durante internação no Hospital Municipal de Campo Limpo, capital paulista; de Lourdes Maria Viveiros Inácio, em 14 de abril de 1995, após ter sido submetida a uma eletroconvulsoterapia, no Centro Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena (MG); de Adailton dos Santos Arruda, no dia 25 de novembro de 1997, por asfixia no Hospital Juliano Moreira, em Salvador (Bahia). Um dos casos relata o desaparecimento de João Gomes Pereira, no dia 16 de novembro de 1992, do Centro Comunitário São Marcos, em Mauá, no estado de São Paulo, e outro da morte do usuário Damião Ximenes Lopes, ocorrida em 4 de outubro de 1999, de causa indeterminada, na Casa de Repouso Guararapes, em Sobral (Ceará).
O impacto da morte de Damião repercutiu em todo país, por meio de denúncia pública procedida pela mãe e pela irmã da vítima, senhoras Albertina Viana Lopes e Irene Ximenes Lopes. Referindo-se à casa de repouso como uma casa de tortura, a irmã, em um documento intitulado “Clamo por Justiça” e encaminhado a vários órgãos governamentais, não-governamentais e autoridades, relata que, em 1º outubro de 1999, sexta-feira, seu irmão foi internado na Casa de Repouso Guararapes e que, na Segunda-feira, quando a mãe foi visitá-lo, encontrou-o quase morto. Ele havia sido impiedosamente espancado, estava com as roupas sujas e rasgadas, as mãos amarradas para trás e seu corpo coberto de sangue. A mãe pediu que lhe limpassem o sangue. Os atendentes lhe deram um banho, sem sequer desamarrar-lhe as mãos, deixando-o completamente nu. Neste interim, foi procurar o médico da clínica, que até aquele momento não havia lhe dado assistência. Aflita e chorando, fez reclamações ao médico, pedindo que atendesse Damião. Ele, grosseiramente, mandou-a calar a boca. Sem dar importância para os sentimentos da mãe, receitou um medicamento injetável, sem ao menos ver o paciente. A mãe saiu e foi até Damião. Este estava jogado ao lado de uma cama, nu e ainda com as mãos amarradas. Ela queria tocá-lo, porém o enfermeiro disse para não incomodá-lo, pois Damião iria dormir. A mãe voltou para casa, onde foi informada que haviam telefonado do hospital, chamando-a de volta com urgência. Seu filho havia morrido. O laudo emitido dizia que a causa mortis era parada respiratória. Além da morte de Damião, várias outras mortes aconteceram da mesma forma, ou seja, através de espancamentos e maus tratos, atestados em documentos.
Postar um comentário