Transtornos mentais e Terapia de Eletrochoque

>> sábado, 28 de novembro de 2009

Quando penso em Transtornos Mentais, sempre me vem à cabeça as possibilidades de tratamento. Um tratamento que não entendo, e por isso resolvi pesquisar a respeito, é a Terapia de Eletrochoque.

Busquei no Google e dos resultados o que mais gostei foi essa entrevista do Dr Drauzio Varella com a Psiquiatra Márcia de Macedo Soares, médica que trabalha no Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo. A entrevista tem outros tópicos além dos que coloquei aqui, porque o que buscava está no que foi copiado, mas se você tiver curiosidade a respeito pode ler a entrevista na íntegra aqui.

O texto é longo, portanto não pretendo que todos o leiam na íntegra, por isso destaquei as perguntas e você pode ver qual realmente lhe interessa e ler a resposta. Vale a pena, acredite, pois essa entrevista desmistifica algo que parece pura e simplesmente uma maldade contra o portator de um transtorno mental, mostrando em que casos ela pode ser utilizada e como fazê-lo de modo humano. Primeiro, vamos ler um depoimento do Dr Drauzio e depois vamos às perguntas e respostas.


Eletrochoque / Eletroconvulsoterapia

Quando eu era aluno da Faculdade de Medicina nos anos 60 e comecei a ter aulas de Psiquiatria, um colega mais velho me disse:
- Este ano você vai assistir a aulas de eletrochoque. É uma coisa horrível. O doente é amarrado na maca e recebe um choque forte através de placas colocadas na cabeça. A pessoa grita muito e se contorce toda.
Uma manhã, logo que cheguei na faculdade, soube que aquele era justamente o dia daquela aula. O eletrochoque era dado numa salinha pequena para um grupo de dez alunos. Quando vi o paciente chegando, assustado com as pessoas e a parafernália de instrumentos ao redor, seu olhar me tocou de tal forma que pensei:
– Vou-me embora. Qual a vantagem de assistir a uma coisa dessas se não pretendo dar eletrochoque em ninguém? – e saí da sala no exato momento em que o professor estava chegando. Ele não entendeu os meus argumentos e nossa discussão resultou numa segunda época de Psiquiatria.Daquela data para cá, a técnica de aplicação do eletrochoque sofreu diversas modificações importantes que a tornaram mais humana e recentemente ele foi reintroduzido como método terapêutico no tratamento de algumas patologias psiquiátricas resistentes à medicação.

MECANISMOS DE AÇÃO DO ELETROCHOQUE E RISCOS DO TRATAMENTO

Drauzio – Que riscos oferece o tratamento com eletrochoque?


Márcia M. Soares
– Embora as pessoas tenham medo de ter um colapso ou um problema cardíaco quando se submetem a um tratamento com eletrochoque, a eletroconvulsoterapia é bastante segura. O risco que oferece é igual ao de qualquer procedimento cirúrgico que envolva anestesia, isto é, 0,04%. No entanto, nos lugares em que se usa o eletrochoque a seco, com aparelhos antigos e sem possibilidade de controle técnico como os que se vêem no filme “O Bicho de Sete Cabeças”, a carga elétrica é muito forte e a probabilidade de ocorrerem problemas de memória, muito maior.

Drauzio – Depois da experiência que tive com o eletrochoque à moda antiga e à medida que aprendi melhor como funciona o sistema nervoso central, como a circuitaria de neurônios se estabelece, a delicadeza da anatomia das sinapses e a sofisticação do estímulo nervoso, o eletrochoque sempre me pareceu algo como dar um pontapé na televisão para fazê-la funcionar novamente. Pergunto, então, como ele pode ajudar as pessoas que apresentam algum problema?

Márcia M. Soares
– O eletrochoque induz dentro da circuitaria neuronal a mesma modificação que os antidepressivos promovem. Ao final de uma série de aplicações de eletrochoque, o resultado químico é similar ao dos antidepressivos. Portanto, ele ajuda a regular a liberação dos neurotransmissores responsáveis pela transmissão de impulsos de informações de um neurônio para o outro. Além disso, possui uma ação anticonvulsivante, ou seja, quanto mais a pessoa recebe o eletrochoque (em geral, gira em torno de doze aplicações) mais difícil fica ter uma convulsão. Disso decorre acreditar-se que essa ação anticonvulsivante seja responsável pela ação antidepressiva do eletrochoque que também influencia os neuromoduladores envolvidos na regulação do humor. Por isso, hoje, a psiquiatria adota medicações anticonvulsivantes como estabilizadoras do humor.

INDICAÇÃO DO TRATAMENTO DE ELETROCHOQUE

Drauzio - À medida que vai sendo aplicado, o eletrochoque aumenta o limiar para convulsão e anticonvulsivantes são usados para estabilizar o humor. Em termos gerais, as alterações químicas são similares às alterações induzidas pelos medicamentos antidepressivos usados correntemente hoje. Então, em que casos se deve indicar o eletrochoque?

Márcia M. Soares – Atualmente, as indicações são muito precisas. Ele é indicado para o tratamento de depressões graves e resistentes ao tratamento medicamentoso. Se a pessoa passa um ano inteiro tomando doses altas de antidepressivos, com efeitos colaterais importantes, não melhora nem responde à troca ou à associação desses medicamentos, a eletroconvulsoterapia pode representar uma opção de tratamento que apresenta, em 50% dos casos, reação positiva. A eletroconvulsoterapia também é indicada nas depressões em gestantes. Por incrível que pareça, o eletrochoque é o tratamento mais seguro para tratar esse tipo de patologia porque não interfere na formação do feto e pode ser aplicada em qualquer período da gravidez.

Drauzio – Isso já foi bem estudado?

Márcia M. Soares – Nos Estados Unidos, foram realizados estudos com milhares de grávidas e a ECT não se associou a parto prematuro, óbito fetal nem há registro de que tenha causado algum dano para o feto. A mulher recebe uma anestesia de curta duração, com risco semelhante ao de qualquer emergência em que tivesse de ser anestesiada.

Drauzio – Na verdade, o uso de antidepressivos na gravidez é problemático, não é?

Márcia M. Soares - Especialmente nos três primeiros meses da gestação, o risco é muito grande. Isso faz com que a eletroconvulsoterapia seja uma das principais indicações para a depressão em gestantes. Vale a pena mencionar também que, muitas vezes, os idosos respondem melhor a ECT do que à medicação. Como são mais sensíveis aos efeitos colaterais que os medicamentos provocam, muitos preferem o tratamento com eletrochoque e a expressão desse desejo é outro dado a considerar para sua indicação. Por incrível que pareça, pacientes com episódios de depressão grave no passado e que se submeteram ao eletrochoque, preferem esse tipo de tratamento aos antidepressivos.

Drauzio – Teoricamente o eletrochoque pode ser indicado para qualquer patologia psiquiátrica?

Márcia M. Soares – As indicações mais precisas são os quadros de humor, ou seja, depressão e mania ou euforia. Alguns pacientes esquizofrênicos que não respondem à medicação também podem apresentar melhora com a eletroconvulsoterapia.

Drauzio - A eletroconvulsoterqpia pode ser indicada como tratamento inicial em alguns casos?

Márcia M. Soares - Muitas vezes, num quadro de depressão grave, em que o risco de suicídio é altíssimo, justifica-se usar a ECT como primeira opção de tratamento. Por motivos éticos, não se pode correr o risco de esperar duas ou três semanas para o antidepressivo começar a fazer efeito, pois somos obrigados a usar doses iniciais baixas por causa dos efeitos colaterais que provocam. A eletroconvulsoterapia é também a primeira indicação para as pacientes grávidas com depressão que não podem tomar esse tipo de medicamento.

ELETROCHOQUE NO CONTROLE DA AGRESSIVIDADE

Drauzio – No passado se usava muito o eletrochoque em pacientes agressivos. Talvez venha daí sua má fama. Seria procedente considerar agressiva uma pessoa que se revoltava contra o esquema de internação hospitalar nos antigos sanatórios psiquiátricos com disciplina militar e remédios de eficácia discutível? Atualmente, para esses quadros de agressividade ainda é indicado o eletrochoque?

Márcia M. Soares – A agressividade pode ser sintoma de várias patologias psiquiátricas. Vamos considerar um paciente na fase de euforia do transtorno bipolar que apresente humor eufórico, sinta-se grandioso, com mais poderes do que realmente tem, idéias de grandeza e bem-estar além do normal, mas que pode também estar mais agressivo e irritado. Como tem aumento de energia, anda de um lado para o outro, dorme pouco, fala demais e muito rápido. Nesse caso, a eletroconvulsoterapia é muito útil e alguns têm melhora significativa do quadro clínico depois de três ou quatro aplicações o que não acontece quando a agressividade é um sintoma psiquiátrico decorrente de pacientes contrariados com a internação porque representa, aí sim, um método de punição e tortura. No entanto, volto a dizer, na maioria dos hospitais, principalmente nos dos grandes centros, isso não mais acontece. O eletrochoque é indicado para casos específicos e pode evitar suicídios. Ao longo das décadas de 1970 e 1980, o critério de internação psiquiátrica e de medicação mudou muito. As pesquisas se aprofundaram bastante e hoje é difícil ver um eletrochoque mal indicado. Podem existir os que são mal aplicados porque não usam anestesia ou relaxamento muscular, mas a maioria tem indicação precisa e correta.


Drauzio – Provavelmente no passado o eletrochoque era aplicado empiricamente e agora a indicação é baseada em evidências experimentais, em estudos realizados. Talvez nisso resida a grande diferença entre uma e outra forma de aplicação, não é?


Márcia M. Soares – Vou retomar um pouquinho a história do eletrochoque. No final dos anos 1930, a eletroconvulsoterapia passou a ser usada como tratamento e o primeiro medicamento psiquiátrico só apareceu no fim da década de 1950. Então, nos anos 30 e 40, a psiquiatria não tinha opção além do eletrochoque, da insulinoterapia e do confinamento. Na insulinoterapia, a insulina injetada nos pacientes faz com que as células do pâncreas retirem a glicose do sangue. Isso provoca um quadro de hipoglicemia grave que produz, como conseqüência, a convulsão. Portanto, a convulsão desejada era induzida pelo choque insulínico. Se não me engano, no filme “Uma Mente Brilhante”, eles ilustram a aplicação da insulinoterapia, um método arriscado que provocava muitas mortes. A psiquiatria não contava, porém, com outras armas. Só a partir da década de 1950, quando surgiram os medicamentos para tratar de psicoses e depressões, o eletrochoque caiu em desuso. Nos anos 70 e 80, a evidência de que grande parte das pessoas não respondia aos antidepressivos fez com que a eletroconvulsoterapia fosse retomada como opção de tratamento.


EMPECILHOS À MODERNIZAÇÃO DO TRATAMENTO

Drauzio – O que falta para esses centros que ainda aplicam o eletrochoque à moda antiga deixarem de cometer essa violência?


Márcia M. Soares – Acho que informação não falta. A Associação Brasileira de Psiquiatria e os grandes centros universitários têm procurado difundir o que se preconiza como técnica ideal: o paciente deve passar por vários exames prévios, receber anestesia e relaxamento muscular e ser assistido por um anestesista e um psiquiatra. Parece, porém, que o problema é financeiro. O SUS, se não me engano, remunera R$30,00 por uma aplicação que custa R$300,00 ou R$400,00. É, portanto, uma questão de vontade política. Centros no interior de Goiás, por exemplo, não têm estrutura para aplicar o eletrochoque segundo as técnicas mais modernas. Como não existe alternativa de tratamento, pois a rede básica de saúde não fornece os remédios necessários, o eletrochoque acaba sendo usado nos moldes antigos, o que é condenável sob todos os aspectos.
A foto que ilustra o post é de um quadro de Van Gogue e foi copiada do Google imagens.

10 responderam:

Anônimo,  28 de novembro de 2009 às 09:19  

Engraçado Nilda,
ontem estava pesquisando sobre o mesmo assunto.
Muito interessante esse tema.
Bjs querida.

Unknown 28 de novembro de 2009 às 10:46  

Oi Nilda,
que ótima informação. Eu ainda tinha idéia desse tratamento como vemos nos filmes, de uma maneira agressiva. Que bom que tudo evoluiu de uma maneira a existir pessoas que até preferem esse tratamento a qualquer outro.
Beijos!!!

*~* Coisas da Bruxinha *~* 28 de novembro de 2009 às 23:24  

Olá Nilda , desculpe a demora em vir aqui te visitar, vim desejar um bom fim de semana e não deixe de passar no cosias da bruxinha, vc vai gostar hehehhe. bjs

Anônimo,  29 de novembro de 2009 às 19:27  

Oi Nilda,
mesmo tendo evoluído eu ainda acho Terapia de Eletrochoque algo agressivo.
Bjos,
Paulinha

*~* Coisas da Bruxinha *~* 30 de novembro de 2009 às 10:26  

Ai Nilda adorei sua participação, vc não podia faltar hehehhe. bjs e obrigada.

Elen 30 de novembro de 2009 às 15:18  

Eu simplesmente acho tão agressivo esse tratamento..
Tenho certeza q não apoiaria ninguem a fazer...

Venho agradecer as palvras carinhosas q deixou no bloguinho...

bem q queria q fosse férias do trabalho também... rsrssr

abraços cheirosos

Deia 30 de novembro de 2009 às 16:07  

Oi querida td bem?
Fiquei mt feliz com a sua visita e que tema interessante ein? Amanha retorno à vida lá fora, espero que as coisas andem bem. Agora acredito estar mais capacitada para enfrentar os problemas...
Bjos

Ruby Fernandes 30 de novembro de 2009 às 16:57  

Oie flor!!! Ponto cruz é um vício né? Eu adoro fazer, pena que não estou tendo tempo para me dedicar a ele... quero muito ver seu novo trabalho viu?
Bjo bjo :D

Anônimo,  30 de novembro de 2009 às 20:56  

Parabéns pelo o post. Eu particularmente morro de medo desse tipo de tratamento (ainda bem que não fiz). Pelo que sei é indicado mais para casos graves de depressão.

shirley 8 de abril de 2011 às 22:36  

O livro “A Instituição Sinistra – mortes violentas em hospitais psiquiátricos no Brasil”, publicado em 2001 pelo Conselho Federal de Psicologia e elaborado por entidades de direitos humanos ligados à luta antimanicomial, apresenta relatos de crimes ocorridos dentro dos muros dos hospitais psiquiátricos no país.

Ao todo, são sete casos contados por profissionais que convivem com a terrível realidade dessas instituições. São relatos de mortes ocorridas no Hospital Psiquiátrico São Pedro, em Porto Alegre (Rio Grande do Sul), no período de janeiro a junho de 2001. Narra ainda dezenas de mortes, como a de Davi Pereira da Silva, em 8 de agosto de 1999, vítima de um incêndio na Clínica Izabela, em Goiânia, que morreu carbonizado, amarrado, trancado em um quarto da clínica; a de Maria de Fátima Santos Domingues, no dia 24 de março de 2001, que faleceu depois de sofrer queimaduras durante internação no Hospital Municipal de Campo Limpo, capital paulista; de Lourdes Maria Viveiros Inácio, em 14 de abril de 1995, após ter sido submetida a uma eletroconvulsoterapia, no Centro Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena (MG); de Adailton dos Santos Arruda, no dia 25 de novembro de 1997, por asfixia no Hospital Juliano Moreira, em Salvador (Bahia). Um dos casos relata o desaparecimento de João Gomes Pereira, no dia 16 de novembro de 1992, do Centro Comunitário São Marcos, em Mauá, no estado de São Paulo, e outro da morte do usuário Damião Ximenes Lopes, ocorrida em 4 de outubro de 1999, de causa indeterminada, na Casa de Repouso Guararapes, em Sobral (Ceará).

O impacto da morte de Damião repercutiu em todo país, por meio de denúncia pública procedida pela mãe e pela irmã da vítima, senhoras Albertina Viana Lopes e Irene Ximenes Lopes. Referindo-se à casa de repouso como uma casa de tortura, a irmã, em um documento intitulado “Clamo por Justiça” e encaminhado a vários órgãos governamentais, não-governamentais e autoridades, relata que, em 1º outubro de 1999, sexta-feira, seu irmão foi internado na Casa de Repouso Guararapes e que, na Segunda-feira, quando a mãe foi visitá-lo, encontrou-o quase morto. Ele havia sido impiedosamente espancado, estava com as roupas sujas e rasgadas, as mãos amarradas para trás e seu corpo coberto de sangue. A mãe pediu que lhe limpassem o sangue. Os atendentes lhe deram um banho, sem sequer desamarrar-lhe as mãos, deixando-o completamente nu. Neste interim, foi procurar o médico da clínica, que até aquele momento não havia lhe dado assistência. Aflita e chorando, fez reclamações ao médico, pedindo que atendesse Damião. Ele, grosseiramente, mandou-a calar a boca. Sem dar importância para os sentimentos da mãe, receitou um medicamento injetável, sem ao menos ver o paciente. A mãe saiu e foi até Damião. Este estava jogado ao lado de uma cama, nu e ainda com as mãos amarradas. Ela queria tocá-lo, porém o enfermeiro disse para não incomodá-lo, pois Damião iria dormir. A mãe voltou para casa, onde foi informada que haviam telefonado do hospital, chamando-a de volta com urgência. Seu filho havia morrido. O laudo emitido dizia que a causa mortis era parada respiratória. Além da morte de Damião, várias outras mortes aconteceram da mesma forma, ou seja, através de espancamentos e maus tratos, atestados em documentos.

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